Setembro/2000

SEIS SIGMA

DO CONTROLE DA QUALIDADE AO SEIS SIGMA


Francesco De Cicco

Diretor-Executivo do QSP

Talvez a história da qualidade nos últimos 10 anos, no Brasil e no mundo, possa ser resumida como um conjunto de mudanças inovadoras e de promessas e resultados que ainda deixam a desejar.

Do início até meados da década de 90, uma das perguntas que mais se ouvia nas empresas era "por que precisamos ter um departamento da qualidade?" Foi essa a época das grandes reestruturações organizacionais, em que muitos profissionais da área perderam seus empregos, depois de anos desenvolvendo o tradicional Controle da Qualidade.

Os Prêmios Nacionais da Qualidade e, principalmente, as normas da família ISO 9000, muito contribuíram para descentralizar as ações voltadas para o gerenciamento da qualidade, levando inúmeras empresas e especialistas a questionar a real necessidade de haver um departamento específico e, até mesmo, profissionais dedicados à qualidade de processos, produtos e serviços. O papel básico de um departamento desse tipo acabou se concentrando na gestão do sistema da qualidade, incluindo o fornecimento para toda a organização de informações, conhecimentos e habilidades relacionados à qualidade. O trabalho na empresa dos profissionais dessa área passou a incluir basicamente:

  • Implantação e manutenção do Sistema de Gestão da Qualidade, destacando-se a certificação em conformidade com as normas ISO 9001 e ISO 9002;

  • Fornecimento de conhecimentos sobre as principais tecnologias da qualidade, como metrologia, administração de banco de dados e ferramentas específicas (QFD, CEP, DOE etc);

  • Manutenção de base de dados sobre a qualidade dos produtos da organização e dos concorrentes, e preparação de relatórios sobre qualidade para o gerenciamento de todas as funções pertinentes da empresa;

  • Acompanhamento de testes de desempenho de produtos e de análises laboratoriais.

Por outro lado, um estudo publicado em setembro de 1999 na revista "Quality Progress" (Measuring Performance After Meeting Award Criteria), relativamente a uma pesquisa realizada três anos antes, mostrou de maneira enfática que o impacto das práticas da qualidade pode não ser tão significativo como algumas pessoas pensam. Após a análise dos dados de desempenho dos vencedores do Malcolm Baldrige (que corresponde ao nosso PNQ – Prêmio Nacional da Qualidade) e de outros prêmios estaduais norte-americanos da qualidade, bem como de organizações que não se candidataram aos mesmos, os autores do estudo relatam que "não se pode determinar, de forma conclusiva, se as companhias que conquistaram os prêmios da qualidade têm um desempenho melhor do que as outras". Os autores afirmam ainda que, embora tenha aumentado a percepção em relação à qualidade nas empresas que implementaram práticas de gestão para a excelência, os indicadores financeiros não melhoraram. Eles citam o fato de que as vendas por funcionário, o retorno sobre ativos e o retorno sobre vendas caíram todos, nas organizações que venceram os vários prêmios da qualidade.

Mais adiante, voltaremos a falar sobre a conexão da qualidade ao desempenho financeiro das empresas, que, conforme assinalamos no início deste artigo, é uma promessa cujos resultados efetivos ainda deixam a desejar.

Quem é o "dono da qualidade"?

A principal diferença entre a filosofia que predomina atualmente e a de 10 anos atrás é que a qualidade em uma organização não é atribuição exclusiva de um departamento específico. No início da década de 90, a área da qualidade ainda era vista como a responsável única pela qualidade dos produtos; a de marketing pelo crescimento das vendas; e a área de produção como a responsável em realizar volume. Isso, naturalmente, levava a inúmeras disputas entre essas três áreas. A mudança para a filosofia da descentralização teve como foco central de resistência não a área da qualidade como muitos poderiam imaginar, mas sim as áreas de marketing e produção. Em diversos casos relatados, o marketing não queria assumir a responsabilidade pela qualidade dos projetos de novos produtos, e a produção não queria responsabilizar-se pela qualidade do produto que ela realizava. Era comum as pessoas dessas áreas não verem a qualidade como parte integrante de seu trabalho. Gradualmente, porém, as empresas foram percebendo que um departamento da qualidade muito dificilmente poderia gerenciar o trabalho de outras pessoas. Chegaram à conclusão que cada funcionário e cada departamento deveria ser responsável pela qualidade de seu próprio trabalho, com a área da qualidade fornecendo a "expertise" e os procedimentos necessários para fazer o sistema todo funcionar.

Diversas conseqüências importantes resultaram dessa mudança de filosofia. A alta direção passou a estabelecer a política da qualidade da organização. Novos procedimentos foram desenvolvidos em conjunto com as áreas de marketing, produção, P&D e outras. Tais procedimentos definiram papéis e responsabilidades pelo nível de qualidade de produtos, mudanças de padrões, rejeição de produtos etc. Foram também implementados novos sistemas de informação, treinamento, inspeção, medição e ensaios e auditorias internas da qualidade, entre outros.

Esse é, em resumo, o quadro que predomina nos dias de hoje nas empresas. Mas, o que mais precisa ser feito?

A força do Seis Sigma

É cada vez mais convergente a opinião de especialistas de que o Seis Sigma terá um impacto significativo sobre o futuro dos profissionais da qualidade. A principal razão dessa crença é o estrondoso sucesso, especialmente o sucesso financeiro, das organizações que implementaram o Seis Sigma de forma entusiástica e completa, isto é, sem simplificações, como são os casos notórios da GE, Motorola e Allied Signal. Nos círculos financeiros norte-americanos, o Seis Sigma tem obtido uma acolhida sem precedentes e bem mais favorável do que a Gestão da Qualidade Total (TQM), a ISO 9000 e o Prêmio da Qualidade Malcolm Baldrige. Embora estas outras iniciativas sejam, como sabemos, bastante positivas, é muito mais fácil documentar o impacto financeiro do Seis Sigma nos resultados das empresas. Daí a sua grande popularidade junto aos analistas de Wall Street e, obviamente, junto aos executivos das organizações beneficiadas.

O Seis Sigma, da forma estratégica como está sendo desenvolvido nas empresas atualmente, vem preencher uma importante lacuna que os outros programas, nestes últimos 10 anos, ainda não conseguiram: a de conectar a qualidade ao desempenho financeiro das organizações. Tem-se pouquíssimas notícias de companhias que, tendo adotado modelos como TQM, ISO 9000 e PNQ, alcançaram resultados de alto impacto em sua lucratividade. A GE, para ficarmos apenas em um dos exemplos que mais tem repercutido em todo o mundo, obteve com a aplicação do Seis Sigma uma economia superior a US$ 1,5 bilhão, só em 1999!

Nas organizações bem-sucedidas com o Seis Sigma (aliás, até agora, não se tem notícia de nenhuma empresa que não se tenha dado bem com ele), o Seis Sigma não é "propriedade" da área da qualidade. Ele é uma estratégia de negócios de toda a organização e não é, meramente, uma iniciativa da referida área.

Ao utilizar parâmetros financeiros na seleção de projetos e na medição de resultados, o Seis Sigma exige maior integração entre a área da qualidade e todos os demais departamentos e funções da empresa, incluindo finanças, contabilidade e compras. Por causa dessa maior integração, os profissionais da qualidade precisarão se reciclar e estar cada vez mais sintonizados com as inúmeras forças que estão contribuindo para dar novas formas ao trabalho, com seus respectivos custos e benefícios, como as telecomunicações e a velocidade das mudanças do ciclo de desenvolvimento de produtos e serviços. Em suma, os profissionais da qualidade, com o crescente sucesso do Seis Sigma nas empresas em decorrência de seu forte apelo financeiro, deverão se preparar para ter uma base bem mais larga de conhecimentos e informações, ao invés de serem puramente especialistas limitados à sua área de atuação.